quarta-feira, 2 de maio de 2012

O Grito.

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O Grito, litografia, 1895,
originalmente publicada na publicação de vanguarda francesa La Revue Blanche
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O Grito, litografia e aguarela, 1895



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Os Gritos são quatro. Refiro-me ao mais famoso quadro de Edvard Munch (1863-1944) – uma espécie de Mona Lisa apavorada, raiz de todo o expressionismo. Munch pintou-os entre 1893-10. Um ano antes (1892), fora surpreendido por um pôr-de-sol sanguíneo, sublinhado a línguas de fogo, quando passeava com dois amigos pelo fiorde azul-escuro de Oslo; parou, tremendo de ansiedade, e sentiu um grito (skrik) infinito atravessando a natureza. Assim reza o poema que escreveu. Perto daquela ponte havia um açougue e um manicómio – o que não será despiciendo. “O Grito da Natureza” é, talvez, a pintura mais cobiçada pelos larápios de arte. O exemplar (1893) do Museu Nacional de Oslo (que possui também uma versão a pastel, pintada no mesmo ano) foi roubado – e recuperado – em 1994. A versão de 1910, no Museu Munch, foi roubada em 2004 e encontrada em 2006. A quarta versão, na posse de Petter Olsen, filho de um vizinho e patrono de Munch, vai a leilão na Sotheby’s de Nova Iorque a 2 de Maio. O interesse é tal que a pintura será exibida em Londres (13 Abril), Rússia, Médio Oriente e China! É a mais ricamente cromática das quatro versões, numa moldura pintada pelo próprio Munch e que inclui o poema que serviu de inspiração. A estimativa de 80 milhões de dólares deve ser ultrapassada. (Os “Jogadores de Cartas” de Cézanne trocaram de dono por 250 milhões no ano passado.) É, com os céus apocalípticos de Van Gogh, a mais célebre paisagem mental da história da pintura. Céus vermelhos assombraram a Europa na sequência da erupção do Krakatoa em 1883. Olho, e vejo uma múmia andrógina com as mãos na cabeça, apavorada com o destino europeu.
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Jorge Calado


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Pedi a Jorge Calado, il miglior fabbro, que me cedesse o texto, o magnífico texto, que escreveu sobre O Grito. Deu-mo de imediato, com a simplicidade e o desprendimento que só os grandes possuem. Os grandes que nada temem e ninguém invejam. Nesse artigo, o Mestre alude aos céus vermelhos que assombraram a Europa na sequência da explosão do Krakatoa em 1883, sobre a qual existe uma obra inultrapassável de Simon Winchester. A arte da época, de facto, reflectiu a vermelhidão dos céus, como o atesta o extraordinário quadro On the Banks of the River Thames, de Ashcroft, que prolonga Goya, Turner, Blake, Friedrich e antecipa Bacon ou Rothko. Há quem fale numa cor singular dos céus do Norte, que surge pelo Outono e que inspirou muita pintura (ver aqui). Mesmo sem a influência das cores do Krakatoa (a hipótese é discutida aqui ou aqui), também em Munch poderemos ver o estranho vermelho dos céus. N'O Grito, por certo. Mas igualmente noutras obras do mesmo período, como as xilogravuras Medo (1896) e Melancolia (1896), que não se devem confundir com as telas com o mesmo nome. Ambas as xilogravuras estão disponíveis aqui. Será nos quadros Desespero (1893-94) e em Ansiedade (1894), integrados na série O Friso da Vida, que as ondas vermelhas e laranja dos céus adquirem maior intensidade, semelhante àquela que estará presente nas diversas versões de O Grito, incluindo a de 1910, que irá ser vendida este ano pela Sotheby's. Ulrich Bischoff fala em cinquenta versões da obra, além da que existe na Nasjonalgalleritet de Oslo, o que constitui um manifesto exagero, mesmo contando com as litografias produzidas por Munch. O cenário O Grito parece ser Nordstrand e, como veremos, existem tentativas de determinar com precisão o lugar exacto onde o pintor colocou a figura andrógina que retrata a insuportabilidade do desespero humano. Ao longe, vê-se o Oslofjord e Hovedøya, a partir da colina de Ekberg, local onde a irmã de Munch, maníaco-depressiva, se encontrava internada. Perto do hospício havia um matadouro. Tudo terá contribuído para o quadro de Munch. Ou talvez não. Como veremos, o pintor, ao falar deste quadro, escreverá que escutou um «grito infindável a atravessar a Natureza». E o título original da obra era, não por acaso, Der Schrei der Natur, em alemão (O Grito da Natureza). Ficou Skrik, «grito», em norueguês. E adquiriu uma plasticidade imensa, já que tão conhecida é a figura central que grita o vazio como o cenário apocalíptico que a envolve. Ao longe, duas pessoas. Homens, provavelmente. Não é descabido supor que se tratam dos amigos que Munch deixou para trás, como escreverá no seu diário. Estaremos então perante um auto-retrato sui generis? É possível. Quer a figura humana, quer o cenário que a rodeiam se tornaram conhecidos em todo o mundo. No início, O Grito foi mal recebido. Um jornal francês comparou a técnica de Munch a colocar um dedo num monte de excrementos e passá-lo pela alvura da tela. Chegou a pensar-se que a insanidade retratada em O Grito poderia ser contagiosa... Os nazis, que chegaram à Noruega em 1940, quando Munch ainda era vivo, qualificaram a sua obra, como é óbvio, de «arte degenerada». 
O que marca o quadro, convertendo-o num ícone de massas, é o facto de todos os seus elementos serem imediatamente reconhecíveis. Graças a isso, foi possível às indústrias da cultura, e não só, produzirem ad nauseam milhares e milhares de reinterpretações de O Grito, umas vezes usando a figura central, outras o fundo avermelhado. O Grito existe mesmo sem aquele que o grita. Mas, a posição do que grita, com as mãos sobre o rosto, inspirou muita e variada criatividade. Aqui, de seguida, mostrarei uma ínfima parte dessa arte.  

Krakatoa, gravura da época


 On the Banks of the River Thames, de William Ashcroft,
pintado alguns meses após a erupção do Krakatoa, em 1883



O Grito (1893), Oslo, Nasjonalgalleriet


O Grito (1910), Oslo, Munch-Museet

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O Grito (1895), versão em leilão na Sotheby's
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Inscrição na moldura

O diário de Munch contém uma passagem escrita em Nice durante um período de doença, datada de 22 de Janeiro de 1892. Muitos afirmam que aí descreve a génese de O Grito: «Estava passear cá fora com dois amigos, e o Sol começava a pôr-se - de repente, o céu ficou vermelho, cor de sangue - Parei, sentia-me exausto e apoiei-me a uma cerca - havia sangue e línguas de fogo por cima do fiorde azul-escuro e da cidade - e os meus amigos continuaram a andar e eu ali fiquei, de pé, a tremer de medo - e senti um grito infindável a atravessar a Natureza.» E, de facto, este trecho, apresentado por vezes sob a forma de poema, está inscrito na moldura da tela que, encontrando-se na propriedade do empresário norueguês Peter Olsen, vai a leilão este ano.

De acordo com a monumental biografia de Sue Prideaux, Edvard Munch – Behind the Scream (2005), o pintor posteriormente terá afirmado: «durante vários anos, estive à beira da loucura… Conhecem o meu quadro, O Grito? Fui levado ao limite – a natureza gritava no meu sangue… Depois disso, perdi toda a esperança de voltar a amar.»
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Os céus de sangue de Edvard Munch:


Desespero (1892), Oslo, Munch-Museet

Desespero (1893-1894), Oslo, Munch-Museet


Ansiedade (1894), Oslo, Munch-Museet
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Ansiedade (1894), xilogravura


Melancolia (1896), xilogravura

Em 1978, na obra colectiva Edvard Munch. Symbols and Images, o historiador de arte norte-americano Robert Rosenblum (1927-2006) sugeriu que, no desenho do rosto cadavérico e assexuado de O Grito (o rosto da morte?), Munch se inspirou numa múmia peruana que viu em Paris, na Exposição Universal de 1889. A múmia do homem de Piedra Grande está hoje exposta no Musée de l'Homme:
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Múmia do homem de Piedra Grande, Paris, Musée de L'Homme (1900)

  



Recriação actual de O Grito, em escultura


A múmia peruana, em posição fetal e com as mãos junto ao rosto, serviu de inspiração a Paul Gauguin, amigo de Munch, na figura central do quadro Vindima em Arles (A Miséria Humana), de 1888, e, mais flagrantemente ainda, no desenho da velha mulher situada no extremo esquerdo da famosa tela Donde viemos? Quem somos? Para onde Vamos?, de 1897-1898:
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Vindima em Arles (A Miséria Humana), Copenhaga, Ordupgaard 

Donde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Boston, Museum of Fine Arts









Todavia, em 2004, Piero Mannucci, antropólogo da Universidade de Florença, sustentou que Munch se inspirou, não na múmia de Paris, mas noutra, igualmente peruana, existente no Museu de História Natural de Florença, a qual, em seu entender, possui muito mais semelhanças com a figura de O Grito do que a múmia de Piedra Grande que repousa no Chaillot. A questão pode ser acompanhada aqui ou aqui, mas o leitor que decida. Uma coisa é certa: Munch apreciava ossos. Basta recordar o seu Auto-Retrato com Esqueleto de Braço, de 1895.
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Múmia peruana, Florença, Museu de História Natural
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Agora, O Grito, em várias versões:
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Homer Simpson


Super Mario

Brincos O Grito

Telemóvel


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Quadro de John Robert Martino

Michael Jackson


Scubidu


Saia O Grito

Candeeiro O Grito

L. Lingas, C3PO Scream, 2005




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Homer Simpson


Avental O Grito



Scream, de Wes Craven (1996, 1997, 2000 e 2011)




Fatia de Bolo, no restaurante do Museu Munch, Oslo

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O Grito em palavras

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Andy Warhol, 1984

Andy Warhol, 1984

Andy Warhol, 1984

Andy Warhol, 1984

Filme de Sebastian Cosor

Árvore O Grito





Barbie


Doce O Grito

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Brian Jones, The Scream, 2005

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Torrada O Grito

Café O Grito


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Lawrence Spinak, Clifford
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O massacre da Ilha Toya, 2011

Cubos de gelo O Grito

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Silence, da série televisiva Doctor Who, assumidamente inspirada em O Grito. Ver aqui

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Vídeo (VHS)





Assinatura de Munch






O furto de 2004, no Museu Munch, Oslo, com imagens dos ladrões captadas pelas câmaras de vigilância e a explicação da BBC, aqui. Os ladrões levaram O Grito e Madonna, deixando no caminho as respectivas molduras.

Paródia ao furto de O Grito
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Em 2005, o furto de O Grito do Museu Nacional de Oslo foi objecto de um extraordinário livro de Edward Dolnick, The Rescue Artist. A True Story of Art, Thieves, and the Hunt for a Missing Masterpiece. O furto deu-se em 1994, enquanto todos assistiam à abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno, em Litllehammer, e, com surpreendente facilidade, os ladrões levaram o quadro do Museu Nacional de Oslo, deixando um cartão postal com um escrito irónico: «Obrigado pela falta de segurança». Ao princípio, pensou-se que o furto poderia ser da autoria do lóbi norueguês contra aborto, que anunciara uma acção espectacular por alturas da inauguração das Olimpíadas de Inverno. Ironicamente, alguns já descreveram, de facto, a figura central de O Grito como um feto humano... E não o poderemos ver em Madonna, outra obra-prima de Munch? O quadro seria recuperado nesse mesmo ano de 1994. A história, digna de um thriller nórdico, pode ser acompanhada aqui.
Munch como James Bond

Joel Grannas, Edvard's Munch The Scream
Martin Missfeldt, 2006

Molho picante

Erró, The Second Scream, 1967


Erró, Ding Dong, 1979









Há várias tentativas de determinar o local exacto em que Munch se inspirou para pintar O Grito. Uma das mais completas, interessantíssima pela precisão e rigor, encontra-se disponível aqui.

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Um dos muitos rumores que existem sobre Greta Garbo afirma que a actriz se inspirou no quadro de Munch na pose fotográfica que surge na imagem, tal como é explicado aqui.

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Allen Mullen, The Scream (ASCII Art)
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Vitral O Grito

Home page da Google, 2006




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Melissa Rachel Blank, Gummi bears
Nesta obra, a autora reconstituiu O Grito com gomas em forma de ursos

Homer Simpson




Livro

Gelado O Grito





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Robert Fishbone, criador de O Grito insuflável (1991).
Entre 1991 e 1994, vendeu 100.000 cópias


Jake e Dinos Chapman, The Whimper, 2006

James Rizzi, O Grito, 1999

Joker, personagem de Batman (1989)



O Grito em Lego, exposto na Legoland da Califórnia 

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Macaulay Culkin, de Home Alone (1990)



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Chapa de identificação para animais

Meep, dos Muppets



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Aquando do furto de 2004, a cidade de Oslo ofereceu 300 mil dólares a quem desse pista que conduzissem ao paradeiro dos quadros de Munch, O Grito e Madonna. A Masterfoods USA, produtora dos M&M's, em 2006, ofereceu 2 milhões de dólares de recompensa em chocolates daquela marca com vista à descoberta do quadro. O Grito reapareceu dias depois desta oferta. Ver a história aqui.



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Tapete para o rato do computador

Caneta O Grito
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Iraque

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O Grito, danificado após o furto de 2004

Restauro de O Grito

Escultura em cartão prensado de Mark Langan

Vuvuzela




Manifestação do Greenpeace



Zé Povinho, por António

Pedro Santana Lopes, cartoon de António




Marcus Miller


Marcus Miller





Prancha de skate

Pintura em miniatura

Sapatos de ténis

Vestido O Grito


Macaulay Culkin, de Home Alone



Cathy Cole, Neon lights


Nic Hess, The Scream (2000)



Mona Lisa


Após o massacre na Noruega

Barack Obama

Atentados em Oslo, 2011




Bernard Pras

Recriação a partir de Psycho, de Hitchcock
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Puzzle




Délacroix...

Scary Movie (2000), de Keenen Ivory Wayans











Ghostface, personagem de Scream, de Wes Craven (1996)


Espermatozóide


Saco O Grito


Brincos O Grito

Edvard Munch e Francis Bacon?




Escultura









Somália



Autocolante O Grito

Fome
Trabalho em madeira

Tatuagem



Capa de The Primal Scream, de Arthur Janov

Terror na Noruega




O Grito entrou na política norte-americana, sendo usado nas campanhas eleitorais contra Dan Quayle e Sarah Palin, bem como contra o Presidente George W. Bush. No caso de Dan Quayle, ver o livro de Monica Bohm-Dunchen, The Private Life of a Masterpiece (2001), com desenvolvidas referências ao impacto da obra de Munch na cultura popular americana, aqui.



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George W. Bush




Shooter, Yorkie Scream

Gravata O Grito


Porta-chaves O Grito

Caneca O Grito











Vestido O Grito


Gravata O Grito


Home Alone (1990)

Unhas O Grito

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Azulejos, de Mark Lawrence

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Victoria Francis

Vik Muniz


Gary Larson, The Howl, da série Wiener Dog Art





Bloco de notas

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Mosaico
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Enfeite de Natal

Lençóis O Grito
Vídeo (DVD)
Vídeo
Fivela de cinto

Vídeo (VHS)




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Caixa para comprimidos


Carimbo
Porta-chaves O Grito

Computador

Diogo Sarmento, 2006
No mundo do futebol
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Porta-chaves
Porta-chaves Lisa Simpson















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Espelho de interruptor eléctrico





Espelho de bolso







Rabanus Flavus, Condemned to Agony,
linha férrea Lehrte-Nordstemmen


Ovo de chocolate





Isqueiro Zippo










Mickey Mouse









Mola para notas







Mesa de póker

Porta cartões de visita






Anel

Corta-papéis
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Lord Voldemort, personagem de Harry Potter





Gilbert & George, Cry, 1984

Gilbert & George, Street, 1983



 
Versões em vídeo
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As versões mais originais são, sem dúvida, as de Sebastian Cosor:

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Ao contrário do que sucedeu no «post» (ou «posta») em que falei de Christina’s World, de Wyeth, aqui, procurei determinar a origem e autoria de todas as imagens, o que se afigurou virtualmente impossível. Algumas delas, sobretudo de objectos de uso corrente, foram obtidas no e-Bay, outras aqui, aqui ou aqui, entre centenas e centenas de locais. Há quem sustente aqui que, muito provavelmente, Philip K. Dick se inspirou em O Grito numa das cenas centrais da sua novela Does Androids Dream of Electric Sheep? (1968), em que Ridley Scott se baseou para realizar o filme Blade Runner (1982). Não o consegui determinar com absoluta certeza.

António Araújo



O céu em chamas. O futuro-Krakatoa. Blade Runner (1982), de Ridley Scott.




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