domingo, 23 de abril de 2017

Uns quilos de dinamite... e de lagostas.



João Rocha (1930-2013)
 

         Um belo dia, quando eu julgava que os participantes da reunião iam ser os mesmos do costume, vejo aparecer em casa do Dr. Seabra Veiga, acompanhado por Richard Aldrich, primo de Nelson Rockfeller, ao tempo Vice-Presidente dos Estados Unidos, uma pessoa que eu não conhecia de parte alguma. 
         Mas a "suspense" durou pouco. O Dr. Seabra Veiga apressou-se a apresentar-nos um simpatizante informal da conspiração política que dava pela sigla de MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal): era  João Rocha, célebre empresário e Presidente do Sporting Clube de Portugal, cargo que desempenhou com grande êxito entre 1973 e 1986.
         E, antes de se entrar na ordem do dia, se assim me posso expressar quanto ao regimento por que se pautavam as nossas reuniões, o presidente da sessão deu a palavra a João Rocha.
         Resumia-se a muito pouco o que ele tinha a propor-nos: limitava-se a pedir-nos que o ajudássemos a obter quanto antes uns bons quilos de dinamite e os meios de a transportar para Portugal, a fim de fazer ir pelos ares a antena da Rádio Televisão Portuguesa, a qual não fazia outra coisa - esclarecia ele - senão pregar e enaltecer noite e dia, ad nauseam, os assim chamados “preciosíssimos benefícios” da incomparável Revolução de Abril e transmitir programas sem conta importados de Cuba, da Checoslováquia, da Bulgária e de outros países comunistas, com a clara intenção de doutrinarem e converterem o maior número de portugueses, sobretudo as crianças e os jovens, ao credo marxista-leninista.
         Tratando-se, de uma maneira geral, com uma ou outra excepção, de pessoas mais dadas a golpadas académicas que a exercícios violentos ou bélicos, a minha primeira reacção foi de espanto. Arranjar a dinamite não seria difícil. Ao fim e ao cabo, eram tantos os luso-americanos que trabalhavam na construção civil nos Estados Unidos! Mas transportá-la para Portugal já era outra questão. E as inspecções nos aeroportos portugueses, às vezes descaradamente feitas por comissários russos, como acontecera com o Arcebispo de Braga, Dom Eurico Nogueira, e com o grande industrial português Tomé Fèteira, como um e outro nos haviam contado pessoalmente, justamente indignados, numa das várias vezes que se encontraram connosco em casa do Dr. Seabra Veiga? (Jamais poderei esquecer a vergonha e a mágoa estampadas no rosto de Dom Eurico Nogueira, Arcebispo Primaz de Braga, ao dizer-nos da sua dignidade ferida e violada no aeroporto de Lisboa, capital do seu país, por haver sido obrigado a despir-se por um boçal comissário russo a feder a vodka.) E se se levasse essa dinamite directamente para a Espanha e se passasse depois para Portugal? Isso talvez já fosse mais fácil, sobretudo tendo em conta a atitude anticomunista do Governo de Franco.
         E depois de uma longa discussão sobre o assunto, sobretudo acerca da maneira de transportar a dinamite para Portugal, resolveu-se deixar isso à responsabilidade de um dos membros da direcção do MDLP.
         Dizer sobre quem caiu essa delicada, bizarra e macabra incumbência não posso, uma vez que achei por bem fazer de conta que esqueci o nome dessa pessoa. O que sim sei é que, passado pouco tempo, pelos céus pacíficos do Atlântico Norte voavam para Portugal uns bons quilos de potente dinamite ianque. Veio ela a servir para fazer ir pelos ares a famigerada antena da Rádio Televisão Portuguesa de Monsanto? Preferi nunca indagar sobre o assunto, uma vez que a ignorância nem sempre é reprovável, vista à luz da dialéctica aristotélico-tomista e da casuística escolástica. Não estranho, porém, que esses quilos de dinamite tenham sido tão inofensivos para a saúde do PREC como as balas que o jovem Camilo disparava contra os lobos de Vilarinho  de Samardã ou, segundo ouvi dizer, como as basucas que dois famosos fuzileiros navais portugueses, os comandantes Alpoim Calvão e Rebordão de Brito, destinavam ao carro que levava o General Costa Gomes, ao tempo Presidente da República Portuguesa, a caminho do Campo Pequeno, para aí assistir de óculos escuros, como era seu costume, a uma tourada à antiga portuguesa.
         As dúvidas aventadas sobre o êxito e a eficácia dos quilos de dinamite levados por João Rocha para Portugal não posso levantá-las quanto aos seus dotes inatos de comerciante e ao seu olho clínico para o negócio. Depois de alguns dias nos Estados Unidos, já ele começava a convencer-se de que talvez pudesse vir a compensar, pelo menos parcialmente, as perdas financeiras em Portugal, devidas às expropriações selvagens de alguns dos seus bens. É que, como presidente de um grande clube português de futebol e de muitas outras modalidades desportivas - o Sporting Clube de Portugal -, chegou a indagar sobre a viabilidade de transferir esse clube para os Estados Unidos e fazer-se proprietário dele, à maneira dos empresários dos grandes clubes americanos, de projecção nacional, nos mais variados tipos de desporto.
         Outra aventura comercial lucrativa de que João Rocha se convenceu e que pôs logo em prática, com grande sucesso e proveito para ele e para os seus amigos portugueses de paladar fino e caro, foi a exportação para Portugal de excelentes lagostas americanas. Aconteceu assim. Por ocasião de uma visita turística a Stonington e Mystic Seaport, no Estado de Connecticut, que outrora, juntamente com Provincetown e New Bedford, em Massachusetts, fizeram parte do famoso triângulo baleeiro da costa leste dos Estados Unidos, e onde ainda todos os anos se inaugura a estação da pesca com pompa e circunstância, missa campal, procissão e foguetório e com uma soleníssima bênção da frota pesqueira, presidida pelo bispo da diocese, João Rocha veio a descobrir um grande viveiro de lagostas, pertencente a um luso-americano, oriundo de  uma velha família de baleeiros dos Açores. Feitos rapidamente os cálculos ao produto, ao câmbio e a outros factores pertinentes, o empresário português concluiu imediatamente que seria um negócio lucrativo e saboroso comprar periodicamente uma boa centena de quilos dessas lagostas, acondicioná-las profissionalmente em contentores e, passadas umas horas, colocá-las vivas, frescas e apetitosas em Lisboa. E se assim o pensou, assim o fez o português injusta e arbitrariamente esbulhado de alguns dos seus legítimos bens pelos novos donos do poder e dos bens móveis, imóveis e semoventes do Portugal pós-abrilista.                                        
 
 
António Cirurgião



1 comentário:

  1. Este senhor João Rocha aqui tão surpreendentemente elogiado foi, assim como os filhos são, um corrupto que roubou o Sporting.
    Que desilusão este seu post prof. A.C.

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